'Não somos lixo': protesto por justiça marca 1 mês do assassinato de gari
O gari Laudemir de Souza Fernandes, de 44 anos, foi morto no dia 11 de agosto. Familiares e amigos pedem condenação do suspeito
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Siga noFamiliares, amigos e colegas de trabalho do gari Laudemir de Souza Fernandes, de 44 anos, protestaram por justiça na tarde desta quinta-feira (11/9), data em que o assassinato do trabalhador completa um mês. O ato ocorreu em frente ao Fórum Lafayette do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), na Região Centro-Sul de BH, e foi marcado pelo pedido de condenação de Renê da Silva Nogueira Júnior, autor confesso do disparo que matou Laudemir.
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O protesto foi singelo em tamanho, com cerca de 15 pessoas presentes, mas marcante para aqueles que conheceram Laudemir, como a viúva Liliane França da Silva e o gari Tiago Rodrigues, que estava trabalhando com o colega no momento em que ele foi morto.
Estavam presentes também membros do Sindicato dos Empregados em Empresas de Asseio, Conservação e Limpeza Urbana (Sindeac) e o superintendente regional do Ministério do Trabalho em Minas Gerais, Carlos Calazans.
No local, foram colocadas faixas com dizeres como: “Somos garis, não somos lixo”. Também foram distribuídas rosas em homenagem a Laudemir. Em uníssono, eles ressaltaram que Laudemir "está presente" e que a justiça deve ser feita “já”.
Pedido por condenação
“Estou aqui para pedir justiça mais uma vez, que esse crime não fique impune, que a justiça possa ser feita, não só para o Renê, mas para a esposa dele também”, disse Liliane. Ela se refere aos indiciados Renê da Silva Nogueira Júnior, autor confesso do disparo que matou o trabalhador, e a delegada e esposa dele, Ana Paula Lamego Balbino Nogueira, proprietária da arma.
Renê foi indiciado por homicídio duplamente qualificado — por motivo fútil e meio que dificultou a defesa da vítima —, ameaça à motorista do caminhão de coleta e porte ilegal de arma de fogo. Ana Paula foi indiciada por porte ilegal de arma de fogo, conforme previsto na Lei de Desarmamento, por ter cedido ou emprestado sua pistola de uso pessoal para o companheiro.
Liliane também destacou a responsabilidade de Ana Paula e afirmou que: “Antes do Renê atirar, ela atirou primeiro dando a arma para ele. Dando legalidade para ele fazer isso. Se ela não tivesse deixado a arma dela disponível para ele, talvez isso não tivesse acontecido”.
O inquérito da Polícia Civil de Minas Gerais revelou que a delegada sabia e permitia que o marido utilizasse as armas dela.
Garis com medo
No protesto, Liliane afirmou ainda que, caso Renê da Silva Nogueira Júnior seja eventualmente condenado, os garis de BH vão se sentir mais seguros para trabalhar, visto que Laudemir foi alvejado enquanto fazia algo corriqueiro na rotina dos garis: recolhia o lixo enquanto o caminhão estava parado. “A insegurança aumentou, ela já existia, [mas] antigamente era só ameaça. Agora não, houve um assassinato. Eles estão trabalhando com medo, com muito receio, não é bom”, disse a viúva.
Douglas Pereira Oliveira, de 38 anos e coletor de resíduos há 19, afirmou que o medo acompanha os garis. “Começamos a sentir uma sensação de impotência porque a gente passa por isso todo dia, todo dia um ‘apressadinho’ quer passar e fala assim: ‘eu vou passar por cima’, ‘tira o caminhão de lixo que eu quero passar’”, contou ao Estado de Minas.
Valorização dos profissionais da limpeza urbana
A Superintendência Regional do Trabalho de Minas Gerais, cujo representante estava no protesto desta quinta-feira, lançou uma campanha pela valorização e respeito aos profissionais da limpeza urbana em Belo Horizonte. “Para que a partir do que aconteceu com Laudemir, a população da cidade possa olhar para o gari, para aquele que cata nosso lixo, com mais respeito. A cidade depende deles", afirmou Carlos Calazans ao Estado de Minas.
O superintendente também explicou que a campanha faz um apelo para que a população tenha consciência na hora do descarte dos resíduos, ação que pode ocasionar outro tipo de violência aos trabalhadores. “Muitas vezes nós colocamos dentro do nosso lixo vidros, cacos de vidro, copo quebrado, latas que cortam as mãos, e os garis chegam para pegar aquele material e jogar no caminhão e se ferem, se machucam”, disse. Calazans também afirmou que a campanha pede por uma cidade mais limpa.
Como foi o crime?
No dia 11 de agosto, Laudemir trabalhava, junto com outras quatro pessoas, na Rua Modestina de Souza, por volta das 8h55, quando a motorista do caminhão, uma mulher de 42 anos, parou e encostou o veículo para que uma fila de dez carros pudesse passar. A via de mão dupla, segundo relato de testemunhas, fica próxima à Avenida Tereza Cristina.
Em determinado momento, o último veículo, identificado como um carro modelo BYD, da cor cinza, teria enfrentado dificuldades para passar pelo caminhão, e, por isso, a motorista e um dos garis teriam indicado ao motorista que o espaço seria suficiente.
Em depoimento à Polícia Civil, a condutora do caminhão de coleta, identificada como Eledias Aparecida Rodrigues, afirmou que, enquanto recebia as instruções dos funcionários, o motorista do BYD pegou uma arma preta, fez movimento para engatilhar e, apontando para ela, disse: “Se você esbarrar no meu carro, eu vou dar um tiro na sua cara. Duvida?”.
Diante das ameaças feitas à colega, uma segunda testemunha afirmou que os demais trabalhadores tentaram acalmar o suspeito e pediram que ele seguisse seu caminho. Mesmo assim, segundo o boletim de ocorrência, o homem desembarcou com a arma em punho, deixando o carregador cair. Ele então o recolocou, manobrou a arma e efetuou um disparo em direção à vítima.
Laudemir chegou a ser socorrido e encaminhado para o Hospital Santa Rita, no Bairro Jardim Industrial, em Contagem, mas morreu.
Renê indiciado
Renê da Silva Nogueira Júnior foi indiciado por homicídio duplamente qualificado — por motivo fútil e meio que dificultou a defesa da vítima —, ameaça à motorista do caminhão de coleta e porte ilegal de arma de fogo. A pena pode chegar a até 35 anos. O empresário está preso desde o dia do crime e seguirá detido no Presídio de Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Em um primeiro momento, Renê negou ter cometido o crime e passado pelo local do crime, na manhã de 11 de agosto. Ele chegou a dizer que saiu de casa, no Bairro Vila da Serra, em Nova Lima, na Região Metropolitana, direto para o trabalho em Betim, também na Grande BH. No entanto, o álibi foi derrubado pelas investigações que obtiveram imagens nítidas do carro do suspeito e dele guardando a arma de sua esposa, delegada da PCMG, em uma mochila.
Após a divulgação das gravações, na última segunda-feira (18/8), o investigado, em novo depoimento, confessou que estava no local e disparou a arma da esposa. Conforme registrado no termo de declaração da oitiva pela PCMG, Renê afirmou que essa teria sido a primeira vez que pegou a pistola .380, de uso particular da mulher.
À imprensa, o delegado responsável pelo caso, Evandro Radaelli, explicou que, além da comprovação do envolvimento do empresário na morte de Laudemir, as investigações indicaram que ele possui "fascínio" por armas de fogo e o "poder" que o armamento o concedia.
Radaelli explica que durante análises feitas no aparelho celular do investigado foram encontradas imagens em que ele exibe diversas armas. Em alguns vídeos, o homem aparece fazendo disparos. Ainda segundo o chefe da investigação, o artefato não é o mesmo usado no crime registrado no Bairro Vista Alegre.
Delegada indiciada
A arma de Ana Paula, à qual Renê tinha acesso, foi usada no homicídio de Laudemir. De acordo com a PCMG, os exames periciais realizados entre duas munições apreendidas no local do crime tiveram compatibilidade com a pistola calibre .380 apreendida na casa da servidora pública. O artefato é de uso particular da mulher e está apreendido desde então.
A delegada está afastada do cargo desde 13 de agosto, por motivos médicos. Nessa quinta-feira (28/8), Ana Paula foi substituída no Comitê de Ética em Pesquisa da Academia da Polícia Civil do Estado de Minas Gerais. A decisão foi publicada no Diário Oficial do Estado (DOE), em meio ao afastamento da servidora por licença médica. Conforme o ato, assinado pela delegada-geral da Polícia Civil, Yukari Miyata, a servidora foi substituída por uma professora. A publicação não deixa claro se a mudança é definitiva.
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Desde 11 de agosto, a Corregedoria da PCMG instaurou um procedimento administrativo para investigar a participação da delegada no crime. No dia, Ana Paula foi levada até a sede do órgão correcional para ser ouvida em relação ao uso de sua arma pessoal no possível crime.