ASSASSINATO NO TRÂNSITO

Morte de gari: um mês de dor que só a fé na Justiça aplaca

Renovada pelo indiciamento do autor confesso do disparo que matou Laudemir, esperança de que o crime não fique impune é o que dá forças à família

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Em 11 de agosto, Laudemir de Souza Fernandes, de 44 anos, vestiu seu uniforme de gari e foi trabalhar com o que amava pela última vez. Ainda pela manhã, uma situação que era para ser corriqueira de trânsito no Bairro Vista Alegre, Região Oeste de Belo Horizonte, se tornou motivo para que o empresário Renê da Silva Nogueira Júnior, de 47 anos, sacasse uma arma e atirasse contra os garis, atingindo o trabalhador, que morreu. Um mês depois, as feridas seguem abertas, e a dor da família e amigos é aplacada apenas pela esperança de que a Justiça puna o autor confesso do disparo que matou o gari.


Preso preventivamente, Renê foi indiciado, entre outros crimes, por homicídio duplamente qualificado. A mulher dele, a delegada Ana Paula Lamego Balbino Nogueira, também foi indiciada, por emprestar arma pessoal a ele. Paralelamente, ela responde a processo administrativo na Corregedoria da Polícia Civil.

Ontem, a Justiça autorizou o compartilhamento de provas do inquérito criminal, colhidas no celular de Rêne, com o órgão de controle interno da corporação, e determinou sigilo em torno desses dados. Fechado no dia 29 de agosto, o inquérito está em análise no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que tem até 15 dias, a contar daquela data, para oferecer ou não denúncia à Justiça.


“Quando estou em movimento não sinto tanto, mas quando paro, aí que vem a dor. Sempre que eu ia resolver coisas de casa, ele me dava opinião. Aí, acaba que fico aqui esperando uma resposta que não vem. Desde uma lista de compras que a gente fazia junto até mensagens de bom dia. Então, fico meio perdida, né?”, desabafa Liliane França, viúva de Laudemir.


Liliane e Laudemir estavam juntos havia cinco anos. Ela e a filha, enteada do gari, estão fazendo acompanhamento psicológico desde a tragédia e somente na terça-feira (9/9) Liliane, auxiliar de dentista, conseguiu voltar a trabalhar. A dor, entretanto, não impediu que manifestasse sua indignação diante da maneira como o companheiro foi morto.


No último mês, Liliane se manifestou publicamente sobre o crime diversas vezes, com pedidos de justiça não só por Laudemir, mas também por todos os coletores de resíduos de BH. No dia 2, a viúva entrou com um processo cível contra Renê, indiciado por homicídio qualificado na Justiça criminal. A ação, que pede indenização por danos morais, inclui a mulher do empresário, a delegada Ana Paula Lamego Balbino Nogueira, também indiciada pela Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), por porte ilegal de arma, por ter emprestado ao marido sua pistola de uso pessoal, que terminou sendo usada no crime.


“Só o fato de o Renê ainda estar na cadeia me deixa tranquila de certa forma. Porque, no início, eu nem acreditava que ele ia ficar tanto tempo preso. Ver as coisas acontecerem e ele ser desmentido o tempo todo deixa meu coração com mais esperança de que realmente a gente vai ter um resultado favorável na Justiça”, reflete.


Liliane ainda espera que a visibilidade do caso sensibilize a sociedade sobre as dificuldades que os garis enfrentam no cumprimento de suas atividades. “A sociedade tem que ter outro olhar para os garis. Eles são pessoas com sonhos, projetos, família. Espero que com o assassinato do Lau as pessoas venham a olhar para os garis como agentes de saúde, que é o que são”, afirma. Por mensagem, uma das irmãs da vítima disse que ele faz muita falta e que ainda não conseguiu aceitar a morte de Laudemir. Além disso, contou que a mãe chora todos dias desde o assassinato do filho.


“Ele morreu na minha mão”

Laudemir morreu nos braços do colega Tiago Rodrigues, que agora tenta lidar com o trauma provocado pelo crime. “Na hora você só pensa em salvar. Eu vi que começou a chegar um monte de gente igual urubu na carniça, com celular na mão para filmar, enquanto eu estava com o Laudemir no colo, tentando conversar com ele e ele morria na minha mão”, relembra.


Tiago e Laudemir trabalhavam na mesma equipe de limpeza na Rua Modestina de Souza, por volta das 8h55, quando tudo aconteceu. Em seu depoimento à Polícia Militar, ele contou que o caminhão, guiado por Eledias Aparecida Rodrigues, de 42, chegou a dar passagem para o carro de Renê, que já se aproximava de forma ameaçadora. Ele disse ter tentado apaziguar a situação, pedindo que o motorista seguisse seu caminho em paz: “Naquela hora, eu gritei: ‘Você vai dar um tiro na mulher trabalhando? Vai matar ela dentro do caminhão?’”.


O gari relatou que o suspeito teria seguido com o carro, mas logo parado o veículo, descido, sacado a arma e dito: “Vocês estão duvidando de mim?”. Tiago relata que questionou se o homem ia atirar em um grupo que estava trabalhando e, em seguida, Laudemir foi atingido por um tiro no abdômen. A vítima chegou a ser socorrida e encaminhada para o Hospital Santa Rita, no Bairro Jardim Industrial, em Contagem, mas não resistiu.


“Era para ser eu, né? Ou a motorista, né? Me desculpa pela palavra, mas quando o maldito atirou eu estava do lado do Laudemir. Quando lembro disso aí, minha cabeça até dói”, relata. Tiago entrou de férias uma semana depois e tem retorno ao trabalho marcado para o dia 17. Assim como outros colegas, ele afirma que vai solicitar a mudança da rota para não passar pelo local do crime novamente. “Nunca recebi umas férias tão ruins quanto estas”, diz.


Indiciamento

Em 29 de agosto, a Polícia Civil apresentou a conclusão do inquérito sobre o assassinato de Laudemir. Renê Júnior, que confessou ter matado o gari, foi indiciado por homicídio duplamente qualificado por motivo fútil que impossibilitou a defesa da vitima, por ameaça contra a motorista do caminhão de lixo e porte ilegal de arma de fogo de uso permitido, que pertence a sua esposa.


Já a delegada Ana Paula Lamego foi indiciada por porte ilegal de arma de fogo, por ter emprestado sua pistola ao marido. Ela responde ainda a processo administrativo movido pela Corregedoria da Polícia Civil. O empresário, que confessou ser o autor do disparo que matou Laudemir uma semana depois do assassinato, está preso preventivamente desde a tarde de 11 de agosto, no Presídio de Caeté, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Segundo a Polícia Civil, a pena de Renê pode chegar a 35 anos.


Compartilhamento e sigilo

Ontem, a juíza Ana Carolina Rauen Lopes de Souza, do 1º Sumariante do Tribunal do Júri de Belo Horizonte, atendeu a um pedido da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) e deferiu o compartilhamento de dados extraídos do telefone celular de Renê da Silva Nogueira Júnior, indiciado pela morte do gari Laudemir de Souza Fernandes, com as autoridades que atuam no processo administrativo envolvendo a mulher dele, delegada da corporação. Porém, as diligências ou procedimentos que decorrerem dessas provas devem tramitar em sigilo, por sugestão do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), e por decisão da magistrada.


De acordo com a decisão da juíza, o pedido da autoridade policial é para instruir o inquérito instaurado pela 4ª Subcorregedoria de Polícia Civil, “com fito de obter elementos de informação que sirvam de materialidade, a priori, para os supostos crimes de porte ilegal de arma de fogo e/ou de prevaricação, ocorridos nesta cidade de Belo Horizonte, no dia 11 de agosto de 2025”, por parte da esposa de Renê Júnior, a delegada Ana Paula Lamego Balbino Nogueira.


O Ministério Público se manifestou favorável ao pedido da autoridade policial. A magistrada frisou, entretanto, que o compartilhamento de provas deve ser uma medida de exceção, visto que, habitualmente, “os elementos de prova devem ser produzidos perante o juízo competente”. Porém, ela afirma que a medida pode ser justificada para otimização, economia processual e, eficiência da prestação jurisdicional, desde que respeitado o princípio constitucional do contraditório, ou seja, da manifestação da defesa dos acusados.


A juíza destaca que a Polícia Civil fundamenta o pedido informando que a medida cautelar é necessária para esclarecer se a delegada “emprestou, cedeu ou forneceu sua arma de fogo para seu esposo Renê da Silva Nogueira Júnior, bem como para desmistificar se, após o delito, a servidora teria deixado de praticar ato de ofício ao tomar conhecimento da parte de seu esposo de que ele foi autor do delito e/ou se teria favorecido seu esposo de alguma outra forma para ele se eximir da responsabilidade criminal.”


Evitar repetições e provas

Na decisão, a juíza Ana Carolina Rauen Lopes de Souza ressalta que, como os procedimentos investigativos buscam apurar crimes que têm relação com o homícidio do gari, que está em apuração, o empréstimo das provas produzidas no inquérito são de suma importância, e evitam uma repetição desnecessária destes elementos. Com isso, a 4ª Subcorregedoria de Polícia Civil poderá ter acesso ao conteúdo extraído do telefone celular de Renê Júnior.

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“Considerando as peculiaridades do caso, determino que as diligências/procedimentos que passarão a conter as provas aqui produzidas, tramitem sob sigilo, conforme sugeriu o Ministério Público”, determina a magistrada. Ela reforça ainda que a própria autoridade policial “deve se assegurar quanto às cautelas necessárias à preservação do sigilo e à restrição do acesso apenas às informações pertinentes ao objeto da investigação, conforme bem ressaltou o Ministério Público.” 

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