Condenação de Bolsonaro é um marco da história republicana
Centrão volta a articular anistia. Para o Executivo, a prioridade é evitar um "perdão legislativo" que desautorize o Supremo e comprometa a governabilidade
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A condenação de Jair Bolsonaro pela Primeira Turma do STF já projeta seus efeitos jurídicos, políticos e diplomáticos. Pela primeira vez na história do Brasil, um ex-presidente e quatro oficiais da mais alta patente, três generais e um almirante, são condenados por tentativa de golpe de Estado. O ex-presidente recebeu a pena de 27 anos e 3 meses no julgamento da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro.
As razões históricas são conhecidas. Desde a Proclamação da República, fruto de um golpe militar, o Brasil viveu dois longos períodos ditatoriais, após a Revolução de 1930 e o golpe de 1964, ambos precedidos por várias tentativas de golpe de Estado. Sucessivas anistias permitiram que os conspiradores obtivessem êxito nos dois casos. A pena contra Bolsonaro é duríssima: dos 27 anos e 3 meses, 24 anos e 9 meses são de reclusão (ou seja, pena para crimes que preveem regime fechado). E 2 anos e 6 meses de detenção (pena para crimes de regime semiaberto ou aberto). Como a pena total é superior a 8 anos, Bolsonaro terá de começar a cumpri-la em regime fechado.
Depois do longo voto divergente do ministro Luiz Fux, na quarta-feira, que encampou as principais teses das defesas de Bolsonaro e demais réus, houve uma aceleração do julgamento nesta quinta-feira, a partir dos votos da ministra Cármem Lúcia, decana da Turma, e do seu presidente, ministro Cristiano Zanin. Passou-se imediatamente à definição da dosimetria das penas e à proclamação do resultado do julgamento, que deveriam ocorrer hoje.
Todos os demais réus da ação penal foram condenados a penas duríssimas, com exceção do tenente-coronel Mauro Cid, que fez delação premiada: foi condenado a dois anos de prisão em regime aberto. Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a 16 anos, 1 mês e 15 dias de prisão; Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, 24 anos de prisão; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança do Distrito Federal, 24 anos de prisão; Augusto Heleno, 21 anos. Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; 19 anos; e Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil, 26 anos, sendo 24 anos de reclusão (pena para crimes de regime fechado) e 2 anos de detenção (pena para crimes de regime semiaberto ou aberto), a segunda maior punição.
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Quem imagina que se trata de assunto resolvido, porém, deve pôr as barbas de molho. Esse curto período entre o julgamento e a execução da pena abre uma janela para a retomada das articulações para aprovação de uma anistia pelo Congresso Nacional, embora todos os atores políticos saibam que seria inconstitucional, pois o parlamento não é uma casa revisora das decisões do Supremo.
Reação política
O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcanti (RJ), diz ter apoio para pautar uma anistia ampla com adesão de segmentos do Centrão. Na próxima semana, as pressões para obrigar o presidente da Câmara, Hugo Motta (PR-PB), a pôr o projeto em votação recrudescerão. A palavra de ordem é “pacificação”, mas o alvo é reorganizar a base para 2026, mirando o apoio do ex-presidente, que está inelegível, à candidatura do governador de Tarcísio de Freitas (PR-SP) à Presidência. O governador de São Paulo já anunciou a ida ao Congresso na próxima semana, para articular a aprovação da anistia.
Tarcísio também sabe que a anistia é inconstitucional, mas ao mesmo tempo será uma bandeira eleitoral para mobilizar o apoio dos aliados de Bolsonaro. Não foi à toa que prometeu indulto ao ex-presidente Bolsonaro como “primeiro ato” de seu eventual governo.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva também já se deu conta que está em curso um cerco eleitoral, unidos os partidos de extrema direita e setores conservadores, a partir de um arranjo eleitoral em São Paulo, no qual o prefeito Ricardo Nunes (MDB) disputaria o Palácio dos Bandeirantes e o clã Bolsonaro herdaria a prefeitura da capital, por meio do vice-prefeito Mello Araujo, um coronel bolsonarista da PM paulista.
A linha de defesa do governo contra a anistia está organizada no Senado, cujo presidente, Davi Alcolumbre (União-AP), articula um projeto de redução das penas sem apagar as responsabilidades. Se prevalecer, esvaziaria a anistia geral. Se fracassar, a Câmara pode impor uma versão maximalista e tensionar a separação de Poderes, abrindo uma crise de natureza institucional. O vetor de maior ou menor adesão à anistia é orçamentário e eleitoral.
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O Centrão negocia espaço no Orçamento, posições eleitorais e uma narrativa moderada. Para o Executivo, a prioridade é evitar um “perdão legislativo” que desautorize o Supremo e comprometa a governabilidade. No plano jurídico, a dosimetria ganha centralidade como sinal de firmeza diante das pressões do presidente dos estados Unidos, Donald Trump. Entretanto, as penas duríssimas reforçam o apelo emocional do perdão.
No tabuleiro diplomático, a Casa Branca aumentará a pressão econômica e na opinião pública. A condenação reacendeu holofotes em Washington. Com a retórica de perseguição, Trump voltou a sair em defesa de Bolsonaro e a Casa Branca já anunciou que haverá novas retaliações.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.