SUSPENSÃO DA EXTRAÇÃO

MPF recomenda à ANM suspensão de mineração de lítio no Jequitinhonha

Órgão solicita que no prazo de 20 dias agência revise autorizações e faça consulta prévia aos povos tradicionais da região

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O Ministério Público Federal (MPF) encaminhou uma recomendação à Agência Nacional de Mineração (ANM) para que suspenda temporariamente e revise as autorizações de pesquisa e extração de lítio em Araçuaí e outras cidades do Vale do Jequitinhonha, o chamado “Vale do Lítio”. De acordo com o MPF, a medida “busca garantir a consulta prévia, livre, informada e de boa-fé de comunidades indígenas, quilombolas e tradicionais que não foram ouvidas antes da liberação dos projetos.

O MPF também pede à ANM que, no prazo de 20 dias, adote as providências para rever as autorizações existentes, suspender as atividades em andamento sem a devida consulta prévia, livre, informada e de boa fé, e se abstenha de conceder novas permissões“ sem o diálogo adequado com as comunidades.

O "Vale do Lítio" concentra a maior reserva brasileira do metal, que é essencial para as baterias de veículos elétricos. De acordo com informações divulgadas pelo Governo do estado, por meio da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (Sede), os investimentos previstos para a cadeia do lítio ultrapassam R$ 5,5 bilhões, com a previsão de gerar mais de 10 mil empregos e diretos.

O maior projeto em implantação na região é da canadense Sigma Lithium, que prevê investimentos totais de R$ 2,5 bilhões. Em agosto de 2024, a Sigma teve um financiamento aprovado junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) no valor de R$ 486,7 milhões, visando ampliar a sua produção de lítio de 250 mil para 520 mil toneladas anuais no projeto “Grota do Cirilo”, entre os município de Itinga e Araçuaí.

Apesar da expectativa quanto à geração de emprego e renda no Vale do Jequitinhonha, a exploração do lítio enfrenta polêmica devido aos impactos ambientais e consequências da atividade minerária para comunidades tradicionais da região, especialmente grupos de indígenas e quilombolas. Uma das polêmicas se refere aos impactos na Área de Proteção Ambiental (APA) Chapada do Lagoão, que deverá ter seu tamanho reduzido em 23%, conforme projeto de lei aprovado pela Câmara de Vereadores de Araçuaí, onde está localizada.

Conforme o MPF, a recomendação encaminhada à ANM para suspensão temporária da atividades de pesquisa e extração de lítio e consulta prévia aos povos tradicionais do Jequitinhonha é resultado de um inquérito civil que apura denúncia de “desrespeito aos direitos étnico-raciais e territoriais” das populações tradicionais diante do avanço da mineração na região. O órgão lembra que, de acordo com dados levantados em fevereiro de 2024 pela Secretaria Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas, da Secretaria da Presidência da República, existiam cerca de 6.275 processos em distintas fases para exploração de minérios na região.

Procurada pela reportagem, a Agência Nacional de Mineração informou que recebeu a recomendação encaminhada pelo Ministério Público Federal e que “está analisando os termos apresentados”. “A manifestação da Agência ocorrerá dentro dos canais legais e administrativos competentes, em conformidade com a legislação”, anunciou a ANM.

O MPF informou que durante o trabalho de apuração no âmbito do inquérito civil sobre o possível desrespeito aos direitos étnico-raciais e territoriais das comunidades tradicionais, a ANM comunicou que “não via necessidade de consulta prévia, alegando que a legislação minerária não previa tal obrigação". O MPF, no entanto, ressalta que essa posição contraria a legislação brasileira e tratados internacionais, como a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“O direito de consulta prévia, livre, informada e de boa-fé garante que o Estado dialogue com as comunidades antes de aprovar projetos que as afetem. O objetivo é buscar o consentimento ou um acordo”, argumenta o MPF.

Escassez de água 

O Ministério Publico Federal também sustenta que perícias realizadas detectaram que um dos projetos de exploração de lítio na região “tem causado severa restrição hídrica e de acesso à água. As atividades, como obras em estradas, resultaram no rompimento de tubulações de abastecimento em comunidades como Calhauzinho e Passagem da Goiaba, com incidentes semelhantes observados em outras localidades". O relatório ainda aponta que "a ampliação da mineração aumentará a pressão sobre a infraestrutura e os recursos hídricos da região”.

Além disso, o laudo técnico elaborado pelo MPF que faz parte da recomendação encaminhada à ANM também destaca deficiências no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentado pela Sigma Mineração, em 2021, em relação aos impactos nos recursos hídricos pela exploração de minério na região de Araçuaí e Itinga. Salienta que a exploração “levanta sérias preocupações quanto à interferência no Ribeirão Piauí, em especial pelo rebaixamento do nível d’água para a lavra. No laudo, a perita aponta que a situação é particularmente crítica, visto que o Ribeirão Piauí constitui a principal fonte de abastecimento de água para os moradores da área e comunidades rurais no entorno, especialmente em períodos de estiagem”.

A recomendação encaminhada à ANM é de autoria do procurador da República Helder Magno da Silva. “A exploração do lítio não pode repetir um ciclo histórico de exploração predatória e exclusão social no Vale do Jequitinhonha. É dever do Estado garantir o direito à consulta prévia, livre e informada, para que as comunidades possam decidir sobre o futuro de seus territórios e modos de vida”, afirma Magno da Silva.

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A reportagem do Estado de Minas entrou em contato com a empresa Sigma Lithium, para saber o posicionamento da empresa a respeito da recomendação do MPF enviada à ANM para suspensão temporária das atividades. A empresa informou, por meio de nota, que o Projeto Grota do Cirilo possui todas as licenças ambientais concedidas pelos órgãos competentes e que não há povos originários no raio legal do empreendimento, conforme atestado pelos órgãos ambientais responsáveis durante o processo de licenciamento.


A companhia rejeita que não houve consulta ou supostas falhas no Estudo de Impacto Ambiental (EIA). "Todos os estudos foram conduzidos com robustez técnica, avaliados e aprovados pelos órgãos competentes — incluindo a SEMAD, com base na Resolução CONAMA nº 01/1986, que exige EIA e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) — e seguem sob fiscalização permanente", informou a mineradora, que também defende que dezenas de milhares de pessoas foram beneficiadas no Vale do Jequitinhonha com "impacto econômico e social expressivo".

A empresa alega que "protegeu integralmente o leito e as Áreas de Preservação Permanente do Ribeirão Piauí" e que "possui outorga válida emitida pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) para a captação no Rio Jequitinhonha, com limite máximo autorizado de 150 m³/h, conforme previsto na Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433/1997)". A nota informa que a captação é realizada de forma legal, monitorada e em conformidade com os volumes autorizados.

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