ALESSANDRA ARAGÃO
Alessandra Aragão
Comunicadora, trabalha com desenvolvimento humano, atuando em terapia sistêmica, mentoria positiva e coaching de vida e carreira
(RE)INVENTE-SE

O peso de ser só provedor

Onde está a verdadeira felicidade? Estamos ancorando nossa vida no acúmulo de bens ou na construção de momentos significativos?

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Vivemos um tempo em que a palavra prover parece carregar um peso maior do que deveria. Tenho percebido no consultório um aumento de pessoas se sentindo fracassadas, incapazes, indignas. Homens que não se reconhecem como dignos de amor ou respeito por não conseguirem oferecer à família o padrão de vida que gostariam. Como não estão produzindo “a contento”, acreditam que valem menos. Essa dor revela o quanto ainda associamos a identidade masculina apenas ao papel de provedor. Mas será que a dignidade de alguém pode ser reduzida ao quanto ele consegue ganhar?

Se de um lado ainda há homens aprisionados a esse lugar, de outro lado surge a questão:  e o papel da mulher nesse contexto? Vivemos um tempo que pede igualdade de gênero, mas a igualdade exige também corresponsabilidade. Quando a mulher transfere ao outro, seja marido, companheiro ou até aos pais, a responsabilidade total pelo seu sustento, permanece em uma zona de conforto que a impede de crescer. E não se trata apenas de aumento de renda, mas de buscar no trabalho também um lugar de realização pessoal. A igualdade de direitos só se sustenta plenamente quando acompanhada da partilha justa dos deveres, tanto no sustento quanto no cuidado com a casa e a família.

E quando olhamos para essa dinâmica, surge uma questão essencial: qual régua estamos usando para medir nosso valor? Na maioria das vezes, não é a nossa, mas a dos outros. Cada pessoa carrega sua história, seus valores e suas possibilidades. E, quando insistimos em medir a vida pela régua alheia, nos distanciamos do que realmente nos traz alegria. É nessa comparação que nasce a insatisfação: queremos mais coisas, mas temos menos tempo para viver. Muitos sonham em curtir a família, saborear os momentos simples, mas quando finalmente têm tempo, não sabem mais se divertir juntos. A felicidade parece ter mudado de lugar, e o resultado é perigoso: passamos a viver não a nossa vida, mas a expectativa do outro.

 

Essa comparação não pesa apenas individualmente, mas também nos relacionamentos. Tenho visto casais se sacrificarem em busca de conquistas financeiras sem que nada pareça suficiente. O dinheiro se torna uma corrida sem linha de chegada. Esse vazio constante não afeta apenas o bolso ou o humor: ele começa a alterar a forma como vivemos os nossos próprios rituais. O que antes era íntimo e simples passa a ser transformado em espetáculo.

O que começa na chegada de um bebê, com festas cada vez mais elaboradas, muitas vezes segue acompanhando o crescimento: na infância, com aniversários que precisam ser grandiosos; na adolescência, com viagens e presentes de marca; e na vida adulta, com conquistas que precisam ser exibidas para validar o sucesso. Ao longo desse percurso, é como se a vida fosse sendo medida não pela experiência vivida, mas pela forma como pode ser mostrada.

Hoje, cabe refletir: onde estamos ancorando as memórias afetivas dos nossos filhos? Será que eles se lembrarão mais do objeto que receberam ou do momento de conexão que viveram conosco?

E se queremos resgatar o valor do que é essencial, precisamos aprender a educar de outra forma. Educar também é saber dizer não. Posicionar-se em casa, mostrando que nem sempre será possível comprar ou realizar determinada festa, viagem ou aquisição, é ensinar valores de realidade e resiliência. Ensinar que a vida não costuma ser linear, que há altos e baixos, e que é justamente nesses altos e baixos que aprendemos a nos fortalecer. Mesmo sem consumo, há alternativas ricas em afeto: ir ao parque, cozinhar juntos, inventar brincadeiras. São nesses momentos que se constrói um vínculo verdadeiro, que atravessa o tempo e alimenta a memória de afeto.

Mas, afinal, onde está a verdadeira felicidade? Estamos ancorando nossa vida no acúmulo de bens ou na construção de momentos significativos? Muitas pessoas sacrificam saúde, tempo e relacionamentos em nome de conquistas financeiras, mas será que esse esforço está sustentado em valores genuínos ou apenas no medo da comparação e da escassez?

Quando confundimos felicidade com acúmulo, o dinheiro deixa de ser apenas recurso e passa a ser linguagem: de amor, de reconhecimento, de cuidado. Mas será que ele consegue traduzir, sozinho, o afeto humano? O risco é transformar relações em transações, e esquecer que presença não tem etiqueta de preço.

Por trás do homem que aceita ou carrega como fardo o papel exclusivo de provedor, existem camadas profundas: poder, controle, mas também medo de não ser reconhecido. E nesse limite, tanto ele quanto ela perdem a chance de viver outras dimensões de si e da relação. O homem deixa de ser parceiro, pai presente, companheiro sensível. A mulher deixa de experimentar sua potência, sua independência e sua realização pessoal.

Nesse processo, tanto homens quanto mulheres se afastam do essencial. E talvez a grande questão não seja o quanto temos, mas o valor que damos ao que temos e ao que somos. O dinheiro pode ser ferramenta, mas não deveria ser a medida da dignidade ou do amor. Mais do que prover, a vida pede presença, autenticidade e coragem para educar pelo exemplo, com simplicidade, responsabilidade e, acima de tudo, humanidade.

 

 

 

As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.

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