Saúde

Saúde mental no cárcere: por que o sistema prisional adoece os detentos

O caso da médica Daniele Barreto chama a atenção para um problema invisível; a falta de apoio psicológico e a pressão do confinamento no Brasil

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Morte da médica Daniele Barreto, encontrada em uma cela no presídio feminino de Sergipe, joga luz sobre uma crise silenciosa e devastadora no Brasil. Acusada de ser a mandante do assassinato do marido, ela aguardava julgamento em um ambiente que, para muitos, se transforma em um acelerador de transtornos mentais. O caso dela não é isolado; é o sintoma de um sistema prisional que adoece sistematicamente quem passa por ele.

O confinamento, por si só, já impõe uma carga psicológica pesada. Quando somado à superlotação, à violência endêmica e à completa ausência de um futuro, o resultado é um colapso da saúde mental. A estrutura carcerária brasileira, desenhada para punir, falha em reabilitar e, no processo, amplifica traumas e cria novas feridas psíquicas, muitas vezes incuráveis.

O que torna o ambiente carcerário tão prejudicial?

O primeiro fator é a superlotação. Celas projetadas para abrigar um número específico de pessoas frequentemente comportam o dobro ou o triplo. Essa ausência de espaço pessoal gera um estado de tensão constante, onde a privacidade é inexistente e o estresse se torna a norma. Não há um momento de paz ou um lugar para se refugiar.

 
 
 
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A violência é outro elemento central. Ameaças, agressões e a necessidade de estar sempre em alerta para sobreviver criam um ambiente de medo contínuo. Esse estado de hipervigilância esgota os recursos mentais e emocionais, podendo levar ao desenvolvimento de transtornos de ansiedade, pânico e estresse pós-traumático.

O isolamento social agrava o quadro. A ruptura com laços familiares e de amizade, que são a principal rede de apoio para a maioria das pessoas, deixa o detento desamparado. A identidade pessoal é suprimida, substituída por um número e um uniforme. Essa perda de individualidade contribui para sentimentos de desesperança e depressão.

Por fim, a ociosidade forçada e a falta de perspectiva completam a receita do adoecimento. Sem acesso a trabalho, estudo ou atividades que deem um senso de propósito, a mente se volta para pensamentos negativos e ruminativos. A sensação de que a vida acabou e que não há saída é um gatilho poderoso para o sofrimento psíquico.

A falta de assistência é o ponto central

A legislação brasileira prevê assistência à saúde para a população carcerária, incluindo o cuidado psicológico e psiquiátrico. A realidade, no entanto, é muito diferente. O número de profissionais de saúde mental nos presídios é insuficiente para atender à demanda gigantesca. Muitos detentos nunca chegam a ter uma consulta.

É importante notar que uma parcela significativa da população prisional já entra no sistema com transtornos mentais preexistentes. Pessoas com dependência química, depressão, esquizofrenia ou ansiedade são encarceradas sem que suas condições sejam diagnosticadas ou tratadas adequadamente. Na prisão, esses quadros se agravam drasticamente.

O acesso a medicamentos controlados também é um desafio. A logística para distribuição é complexa e, muitas vezes, falha. Sem a medicação correta e o acompanhamento profissional, o detento fica à mercê de sua própria condição, em um ambiente que potencializa cada sintoma. A falta de suporte transforma a pena em uma sentença de sofrimento mental extremo.

As consequências vão além dos muros da prisão

Ignorar a saúde mental no cárcere não é apenas uma questão de direitos humanos; é um problema de segurança pública. Um indivíduo que cumpre sua pena em um estado de sofrimento psíquico intenso e não recebe tratamento tem chances muito maiores de reincidir no crime ao ser libertado. A prisão o tornou mais instável e despreparado para o convívio social.

A reintegração se torna quase impossível. O estigma de ser ex-detento, somado aos traumas e transtornos desenvolvidos ou agravados na prisão, cria uma barreira intransponível para recomeçar. A sociedade que cobra a punição é a mesma que receberá de volta uma pessoa mais doente do que quando ela entrou no sistema.

O ciclo se perpetua: a falta de investimento em saúde mental nas prisões alimenta a reincidência, que, por sua vez, contribui para a superlotação e a violência dentro do próprio sistema. Tratar a saúde mental dos detentos é, portanto, uma estratégia inteligente para quebrar esse ciclo e construir uma sociedade mais segura para todos.

Por que o sistema prisional brasileiro agrava problemas de saúde mental?

O sistema agrava transtornos mentais devido a um conjunto de fatores. A superlotação gera estresse crônico, eliminando a privacidade e o espaço pessoal.

A violência constante, seja física ou psicológica, mantém os detentos em um estado de alerta permanente, o que pode desencadear ansiedade e paranoia.

O isolamento da família e da sociedade rompe a principal rede de apoio emocional, enquanto a ociosidade e a falta de perspectiva de futuro alimentam a depressão e a desesperança.

Qual é o papel da assistência psicológica nas prisões?

A assistência psicológica é fundamental para identificar detentos com transtornos preexistentes e oferecer tratamento adequado antes que o quadro se agrave.

Ela também ajuda a lidar com o trauma do próprio encarceramento, oferecendo ferramentas para gerenciar o estresse, a ansiedade e a depressão gerados pelo ambiente hostil.

Além disso, o acompanhamento prepara o indivíduo para a reintegração social, reduzindo as chances de reincidência e promovendo a reabilitação efetiva.

O que acontece quando um detento com problemas de saúde mental não recebe tratamento?

Sem tratamento, o detento fica vulnerável a um colapso psíquico. Os riscos de suicídio e automutilação aumentam consideravelmente dentro das celas.

A condição pode levar a comportamentos agressivos, tornando o ambiente prisional ainda mais perigoso para outros detentos e para os próprios agentes penitenciários.

Ao ser solto, essa pessoa retorna à sociedade com seu transtorno agravado, sem preparo para lidar com os desafios da vida em liberdade, o que eleva o risco de cometer novos crimes.

A saúde mental no cárcere afeta a segurança pública?

Sim, afeta diretamente. Um sistema prisional que adoece seus detentos e os devolve à sociedade sem tratamento contribui para o aumento da criminalidade.

A reincidência criminal está frequentemente ligada a transtornos mentais não tratados. Investir em saúde mental no cárcere é uma forma de prevenção à violência.

Cuidar da reabilitação psicológica dos presos é uma estratégia mais eficaz e inteligente para a segurança pública do que apenas focar na punição e no isolamento.

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